segunda-feira, 9 de julho de 2012

Pedaços literários: Nas montanhas de buda

Símbolo dessa cultura tibetana foi o gesto de um garoto de cerca de 12 anos que, naquele dia, pega no chão um rifle abandonado por um policial em fuga. Em vez de atirar contra os homens de farda, o rapaz segura a arma pelo cano, martelando-a no chão até espattifá-la. Séculos de filosofia budista, essencialmente baseada na paz, cravaram na mente dos tibetanos a ideia de que as armas não devem ser utilizadas contra o inimigo, mas destruídas.

Usando várias camadas de roupas para amortecerem as pancadas que, com certeza, vão levar [...] conseguem gritar: "Vida longa ao dalai-lama! Viva ao Tibete livre".

"Por mais brutal e violenta que seja, a repressão não poderá calar a voz da justiça e da liberdade", declara o dalai-lama em seu refúgio do outro lado das montanhas ...

[...] ... nunca esquecerei o rosto de meus pais.
Ó jóia de sabedoria!
Meu país não foi vendido, foi roubado...

A iluminação é o ideal para todos os tibetanos, assim como para Kinsom. [...] "O despertar", disse-lhe o monge  amigo, "não pode ser ensinado. Mas, o caminho que leva à verdade sim. É por isso que o ensinamento tem um lugar tão importante na vida dos budistas".

"Foi horrível. [...] 'Você 'não é mais religiosa, disse um deles. 'Você não é mais do que um lixo'. Ele tinha razão, de certa forma. Eu era um farrapo, um monte de carne ensaguentada... [...] Não eram mais seres humanos, nem animais, eram máquinas." [...] não podiam estuprar minha alma. Lembrei-me dos ensinamentos que recebera e entendi que era isso o que importava. [...] Eu poderia então seguir o caminho do darma até a perfeição, além do nirvana, até a iluminação."

No discurso de Buda não existe um Deus redentor, um poder sobre-humano nem uma promessa de uma ajuda sobrenatural. Misericordiosos protetores, eles não curaram o mundo da dor, nem se libertaram dela. Apenas o homem pode lutar contra o sofrimento e vencê-lo por seus proprios meios. [...] Pela força do espírito,cada um pode alcançar sua mais intima essência, transcender as muta~ções e a morte, e assim seguir sua natureza do universo."

O holocausto do tibete é o resultado de uma luta desigual entre a força bruta daqueles que detêm o poder público e o protesto pacífico de um povo profundamente religioso. A determinação desse povo de se libertar por meios não violentos tranforma seu combate em um ato único no mundo.
A felicidade está em cada um, e se cultiva na paz interna, onde se encontra o espírito. [...]

Os chineses não conseguiram quebrá-la. Sobreviveu ao frio, às sessões de reeducação, ao roubo de sangue... [...] sente-se mais tibetana e budista do que nunca. [...] Vestirá o hábito, raspará a cabeça e voltará a ser o que era antes.

[...] Naquele momento não sente mais cansaço, pelo contrário. Envolta no canto dos pássaros e no cheiro dos zimbros, ela tem a impressão de repousar no centro do universo, de se fundir à vida primordial da criação. Sim, é possível sair do campo de batalha que é a existência humana, vencer o medo da morte e do sofrimento. Acaba tendo certeza disso nesse instante de felicidade eterna e fugaz, em que seu corpo, seu espírito e a natureza formam um todo. O batimento que ouve não é do seu coração cansado, mas o do coração do mundo.[...]
Chegando a um desfiladeiro de montanhas de altitude média, eles cruzam um chorten, pequeno amontoado de pedras enfeitado com bastonetes e pedaços de tecido, com uma abertura para as oferendas. As "bandeiras da prece" flutuando ao vento trazem sorte aos viajantes que atravessam o desfiladeiro pela primeira vez.[...] Segundo a crença, o vento, ao fazê-las flutuar, leva aos quatro cantos do universo a benção das preces. Os tibetanos as chamam "cabelo ao vento", porque lembram a crina de cavalos galopando.
 Com o produto da venda do ouro e da prata do Palácio de Potala [...] Tenzin Gyatso criara o Fundo de Caridade do dalai-lama para promover a reconstrução cultural tibetana. [...] Do mesmo modo que as longas cerimônias e a pompa haviam sido descartadas, o teatro, a ópera, a literatura, a medicina e a religião eram incentivadas, assim todas como todas as profissões que pudessem ajudar os refugiados a ganhar decentemente a vida: pintura, trabalho em bronze, arquitetura, marcenaria e tecelagem de tapetes. [...] Três décadas depois, ele hospedaria cerca de três mil monges ocupados apenas em manter viva a memória do budismo tibetano, como a chama das lamparinas de óleo que o vento não consegue apagar.
De sua infância, ela guarda a lembrança de execução de dois tios, que eram monges. Durante a época mais repressiva, mexer os lábios em sinal de prece já era o suficiente para ser acusado de dissidência e submetido a cruéis sessões de thamzing. Quem sabe tenha sido a estrita proibição de rezar e acender lamparinas a óleo que a levou a se tornar religiosa? [...] No alto país das nevez, o espírito lutava desesperadamente para sobreviver, e essa luta enraizava-se na consciência das novas gerações.
Refugiar-se nas lembranças da infância ainda é uma maneira de resistir ao frio glacial. De manhã, Kinsom e Yandol acordam sem saber se estão vivas ou mortas. A cada nova partida, essas viajantes, ao deixarem para trás sua cama de pedra, têm a impressão de cumprir mais uma etapa rumo à liberadade.
Deitadas perto das portas abertas, de onde se vê a colina verde do Templo de Swayambu, as monjas descansam, acalentadas por um sentimento de segurança que não experimentavam desde a infância. [...]
 Finalmente, uma manhã, sentem-se prontas. com o dinheiro da venda da jaqueta ao comerciante xerpa, compram dez metros de tecido cor de vinho e dois xales de lã da mesma cor. Voltam depressa ao centro de acolhimento, tiram as calças, as camisas e malhas, e poêm de volta o hábito. Dali em diante têm a impressão de estar em casa.
 'Quando nos recolhemos lentamente para dentro de nós, alcançamos o sentimento de paz que existe em nosso íntimo. Temos todos nós esse desejo profundo, embora ele esteja frequentemente escondido, mascarado.'
O que os homens procuram? Durante suas inumeráveis viagen, ele os vê percorrerem o mundo de carro, avião, trem-bala... Mas com que finalidade? Consomem sem parar, mas estão sempre famintos. [...] parecem ter tudo para serem felizes, mas que, no entanto, são profundamente insatisfeitos. Vivem com medo, sob tensão, sempre insaciáveis, sempre inquietos, perderam contato com a sua mais profunda dimensão, que é também a mais agradável e a mais fecunda [...] Se os homens são incapazes de alcançar a paz interior... como sonhar com a paz entre as nações?
Quando o pássaro de ferro voar,
Quando os cavalos galoparem sobre rodas
O povo de Bodh se dispersará pelo mundo, como formigas,
E o drama chegará ao continente do homem vermelho.

'No budismo, a reencarnação da alma não é o que explica o ciclo eterno das mortes e dos nascimentos. O importante é a força viva, ou energia vital, nutrida pelos desejos e paixões de toda uma vida. São essas paixões e esses desejos que produzem, depois do desaparecimento do corpo, outra combinação de forças e energia. Em cada nova existência, essa combinação mantém em si a soma das ações das vidas anteriores de cada indivíduo. A verdadeira espiritualidade é ser consciente dessa interdependência de tudo e de todos. Então, o pensamento, a palavra ou a ação mais insignificante tem consequência para o universo inteiro, assim como, quando lançamos uma pedra na água, as ondas se juntam umas às outras para formar novas ondas. Percebemos então que cada um é responsável pelo que faz, diz ou pensa.'
Enquanto o universo existir
e enquanto houver seres vivos,
que eu também possa perdurar
para acabar com a miséria do mundo...

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